SUMMARY
Medical competence is the result of a lifelong evolving process, based on the development of efficiency, experience and ethical principles. Efficiency in medical practice depends on scientific knowledge, technical abilities and communication skills. Experience is a process of personal refinement, breeding knowledge and wisdom. Finally, medical ethics is founded on the quest for justice, compassion and love. Didactically, we can distinguish three phases in the professional evolution of a physician: a) Professional infancy, or linear vision: the physician restricts his attention to the morbid process only, often neglecting the patient in his totality. His approach is almost exclusively technical, with limited perception of medicine as an art. b) Professional maturity or humanistic vision: it results from the evolution of personality, culture and experience of the physician, who foccuses now on the patient as a whole with his disease(s). c) Professional excellence, or holistic vision, the highest stage: when the physician's integrated dimensions and wisdom are projected into the patient, fostering the natural conditions for optimal healing. We conclude that the practice of medicine is best fulfilled when both, art and cience, are considered and exercised together by the doctor.
RESUMEN
La competencia en el ejercicio de la Medicina depende de un proceso evolutivo a lo largo de la vida profesional, proceso éste fundamentado en la eficiencia, experiencia y en principios éticos. La eficiencia depende de la cultura médica, de las habilidades técnicas y de relaciones interpersonales con el paciente. La experiencia a lo largo de la vida va refinando al médico, favoreciendo el desarrollo del conocimiento y la sabiduría vivencial. Finalmente, la ética médica se fundamenta enla justicia, compasión y amor por el prójimo. Didácticamente, distinguimos 3 fases de evolución profesional del médico: a) Infancia profesional o visión lineal: el médico se restringe en general a atender la enfermedad, olvidando al enfermo. Es casi exclusivamente técnico y tiene una perceptión limitada de la medicina como un arte. b) Madurez profesional o visión humanística: resultado de la evolusión de la personalidad, de la cultura y de la experiencia del médico, ahora vuelto al enfermo y su enfermedad. c) Excelencia profesional o visión holística: estadío máximo que se puede alcanzar, cuando el médico se vislumbra a sí mismo y a su cliente en todas sus dimensiones integradas y actúa como maestro, procurando despertar en el paciente condisiones propias de la curación, oriundas de su esencia. Se concluye que ejercer la medicina con competencia significa desempeñar adecuadamente la ciencia y el arte médico
RESUMO
Competência no exercício da medicina depende de um processo evolutivo ao longo da vida do profissional, processo este fundamentado em eficiência, experiência e em princípios éticos. A eficiência depende da cultura médica, de habilidades técnicas e relacionamento interpessoal com o paciente. A experiência ao longo da vida vai refinando o médico, favorecendo o evolver do conhecimento e da sabedoria vivencial. Finalmente, a ética médica se fundamenta na justiça, compaixão e amor ao próximo. Didaticamente, distinguimos 3 fases da evolução profissional do médico: a) infância profissional ou visão linear: o médico se restringe em geral ao atendimento da doença, negligenciando o doente. É quase exclusivamente técnico e tem percepção acanhada da medicina-arte. b) Maturidade profissional ou visão humanística: resultado de evolução da personalidade, da cultura e da experiência do médico, agora voltado para o doente com sua doença. c) Excelência profissional ou visão holística: estágio máximo que se pode alcançar, quando o médico vislumbra a si e ao seu cliente em todas suas dimensões integradas e atua como mestre, procurando despertar no paciente condições próprias de cura, oriundas de sua essência. Conclui-se que exercer medicina com competência significa desempenhar adequadamente a ciência e a arte médica.
Keywords: clinical medicine; medical competence; holism and medicine.
Palabras Clave: Medicina Clínica, competencia médica, holismo y medicina
Descritores: medicina clínica; competência em medicina; holismo e medicina.
Aos quinze anos, abri meu coração para aprender;
Aos trinta, plantei meus pés firmemente no chão;
Aos quarenta, eu não sofria mais de perplexidade;
Aos cinqüenta, eu conhecia os preceitos dos céus;
Aos sessenta, eu os ouvia com ouvidos dóceis;
Aos setenta anos, eu podia seguir os desígnios de meu coração,
pois tudo que eu desejava não mais ultrapassava as fronteiras da justiça.
Confúcio, verso 4, cap. 2, livro Lun-Yü.
INTRODUÇÃO
"Medicina é de todas as artes a mais nobre... Todo aquele que deseja adquirir competência em medicina precisa ser possuidor dos seguintes méritos: talento natural; cultura; disposição para estudar; intuição; amor pelo trabalho; honradez. Antes de tudo, um talento natural é necessário". Esta expressão, atribuída a Hipócrates 1 (c.460-377 a.C.), enfatiza que a competência do médico não se limita ao saber estrito (ciência e tecnologia) e depende de outros atributos, entre os quais a arte. A arte, neste contexto, desperta emoções e a capacidade de mobilização de todos os recursos cognitivos, morais e espirituais do médico em benefício do doente. Se o trabalho médico exige, por um lado, inteligência, racionalidade, capacidade de dedução e de análise, também exige, por outro, intuição, emoção, sensibilidade e capacidade de síntese. O médico que se vale deste dom tende a ser naturalmente respeitoso, amável, hábil, compreensivo, empático, honesto e competente. Mas, por ser um valor individual, não é observado em todos com a mesma grandeza ou uniformidade. Percebe-se que nos referimos aqui a qualidades essencialmente humanas, que não seriam substituídas integralmente por computadores, por mais evoluídos que sejam. Nos últimos anos tem-se observado que os médicos, no exercício da profissão, tendem a se dedicar mais à técnica do que à arte. A evolução da ciência e da tecnologia aplicável à medicina contribuiu decisivamente para isto, principalmente a partir da segunda metade do século passado. A compreensão das doenças e a elaboração dos diagnósticos e tratamentos clínicos foram favorecidas por esta evolução; por isto, as escolas médicas modernas, com o intuito de formar médicos mais competentes, investem mais em ciência e tecnologia para oferecer ao estudante o que há de mais moderno. Esta tendência, entretanto, motivou um relativo descaso para com a medicina-arte e o resultado é que a prática médica se tornou progressivamente menos humana e mais mecânica/eletrônica, com evidente negligência na atenção ao doente em sua inteireza. Para Siqueira, ex-presidente da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM,1991) "médicos recém-egressos das escolas médicas ... [que se tornam], na verdade, técnicos equipamentos-dependentes, ou seja, técnicos que fazem e vêem maravilhas com ua máquina qualquer... nada sabem de medicina e muito menos a respeito do homem. Se a escola médica está formando seus alunos com base na aquisição de conhecimentos de alta tecnologia apenas, ela não os está formando, e sim deformando-os2.
Fundamentos da competência em medicina
Competência em medicina pode ser entendida como a capacidade de utilização de todos recursos cognitivos e técnicos necessários e suficientes para diagnosticar, tratar e proporcionar o maior benefício, a menor morbidade e o menor custo possíveis ao doente com sua doença. Tais recursos devem ser condizentes com a ética profissional, com a evidência científica disponível e com a experiência pessoal. A visão organicista ou segmentar do corpo humano, iniciada com Galeno3 e posteriormente desenvolvida por Descartes (1596-1650 a.D.), o compara com ua máquina que precisa ser dividida em suas partes para ser conhecida. Tornou-se a base para o surgimento das diversas especialidades médicas e nestas, o seu agente, oespecialista, aprofunda o conhecimento a respeito do(s) órgão(s) ou sistema(s) a que se dedica (conhecimento vertical), para ter mais recursos técnicos para diagnosticar e tratar as doenças relacionadas com sua área de atuação. Mas, o especialista, com raras e dignas exceções, acaba por ter uma percepção acanhada e insuficiente do doente como um todo. Tem-se criticado a segmentação do conhecimento médico em especialidades, porque o ser humano é mais complexo que ua máquina qualquer por possuir, além do corpo material, mente, consciência e espírito, componentes estes que são interligados e interdependentes e que constituem a sua inteireza4. Fica evidente que a abordagem particularizada de órgãos ou sistemas, sozinha, pode ser insuficiente para resolver os problemas do doente em sua totalidade. Surge então um questionamento a respeito da competência do médico moderno. Entendemos que competência em medicina se fundamenta em três valores ou, simbolicamente, em três pilares de sustentação, que são: eficiência, experiência e ética (fig. 1).
Fig. 1. Competência em medicina
A competência médica depende do apoio simultâneo e equilibrado dos três pilares citados e a falta ou encolhimento de um deles resultará em desabamento ou inconsistência daquela. O primeiro valor reside na eficiência e compreende três qualificações2: conhecimento ou cultura médica, habilidades ou técnicas psicomotoras e atitudes ou relacionamento médico-paciente.
O conhecimento e sua aplicabilidade surgem da experiência pessoal e da assimilação das informações mais relevantes disponíveis nas fontes de cultura médica, informações essas que sejam aplicáveis ao paciente que se quer tratar. Esta assimilação precisa ser conscienciosa e muito cautelosa, pois visa orientar as condutas que se pretendem tomar em cada paciente. Tal prática é conhecida como "medicina baseada em evidências (MBE)" e vem sendo sistematizada pela comunidade médica mundial desde sua introdução em 19925.
No entanto, as decisões tomadas frente a determinado paciente não se devem basear apenas nos resultados dos trabalhos experimentais controlados. Requerem discussão, ponderações, outras opiniões, experiência profissional e não podem ser automaticamente transferidas para o paciente, porque este carece de atenção personalizada. É conveniente lembrar que, apesar de existirem doenças aparentemente iguais, as pessoas que as portam não são iguais entre si. Dantas e Lopes6 recentemente propuseram um novo sistema intitulado medicina embasada na competência (MEC) que "visa harmonizar a excessiva ênfase dada nos últimos anos a uma medicina impessoal, baseada quase que exclusivamente em evidências científicas. Ela integra a ética médica com a verdade científica de acordo com a vivência de cada profissional". O segundo valor, experiência ou vivência profissional, confere ao médico um aperfeiçoamento da arte ou maestria na utilização de recursos e habilidades pessoais para beneficiar os pacientes. Desperta sensibilidades, agiliza o raciocínio, suplementa o conhecimento, aumenta a capacidade de análise e de síntese, aguça os sentidos de observação e aperfeiçoa a habilidade de interrogar, ouvir e interpretar. "O fundamento da clínica é a observação. As teorias podem morrer, podem mudar, mas a observação não morre jamais. A genialidade da observação permanece para sempre" (Cardarelli, citado por Dantas, Lopes6). Finalmente, mas não por último, o terceiro pilar que é a ética. Esta se caracteriza pelo respeito à justiça, pelo sentimento de compaixão e amor ao próximo, pelo interesse honesto em querer servir o outro para seu bem e, ainda, pelo respeito ao seu direito fundamental de vida e liberdade, independentemente de sexo, raça/etnia, credo, classe social ou patologias presentes. Todo comportamento médico precisa ser tutelado pela ética. Os princípios éticos da medicina em particular - e da sociedade em geral - favorecem uma relação cordial, profunda e sincera entre o profissional e seu cliente. Esta relação de alto nível é muitas vezes determinante ou, no mínimo, coadjuvante do sucesso na resolução dos casos, sendo por vezes o recurso terapêutico mais importante ao alcance do médico 4, 7, 8.
Um projeto para orientar o profissionalismo do novo milênio foi recentemente publicado pela European Federation of Internal Medicine, American College of Physicians - American Society of Internal Medicine (ACP-ASIM) e American Board of Internal Medicine (ABIM)9, sugerindo a observância dos seguintes princípios básicos e compromissos profissionais por todos os médicos, qualquer que seja o seu local de trabalho no mundo:
Princípios fundamentais:
I. Princípio do direito do bem-estar do paciente;
II. Princípio da independência ou autonomia do paciente;
III. Princípio da justiça social.
Compromissos profissionais:
IV. Compromisso com a competência profissional;
V. Compromisso com a honestidade com os pacientes;
VI. Compromisso com a confidência do paciente;
VII. Compromisso em manter relações apropriadas com os pacientes;
VIII. Compromisso com a melhoria da qualidade da atenção médica;
IX. Compromisso em melhorar acesso aos recursos médicos;
X. Compromisso com a justa distribuição de recursos finitos;
XI. Compromisso com o conhecimento científico;
XII. Compromisso com a confiabilidade ao lidar com conflitos de interesse;
XIII. Compromisso com as responsabilidades profissionais.
"O profissionalismo é a base do contrato da medicina com a sociedade. Demanda colocar os interesses dos pacientes acima dos interesses do médico, estabelecer e manter padrões de competência e integridade e prover aconselhamento especializado sobre assuntos de saúde"
9.
Objetivos do médico competente
"A medicina existe para proporcionar ao ser humano um nascimento seguro e uma morte confortável, para proteger o sadio, curar o doente quando possível, aliviar o seu sofrimento e confortá-lo, e, ainda, para cuidar do deficiente durante sua vida" (T. Mckeown, 1980)10. São objetivos amplos, que nem sempre estão ao alcance do médico. Devem estar, no entanto, em sua mente enquanto no desempenho da profissão. Para alcançar maior eficiência, precisa o médico se dedicar tanto ao doente quanto à doença. Em outras palavras, precisa conhecer e compreender
doente em sua complexidade e totalidade constitucional e também as conseqüências oriundas de sua(s) doença(s) em sua vida e meio sócio/familiar. Ao conhecer e compreender o paciente em sua intimidade biológica, psicológica, social e espiritual, terá o médico melhores condições para explicar a(s) doença(s) que o acomete(m), por analisar suas raízes mais profundas e, assim, propor métodos terapêuticos mais eficazes4,11,12,13. Isto pode ser decisivo para o sucesso terapêutico global. Favorecer uma boa qualidade de vida, direito do paciente, e, ao mesmo tempo, um prolongamento da expectativa de vida do mesmo significa empregar todos os meios disponíveis para o seu bem estar geral e, se possível, para a cura da doença. Neste afã, são fundamentais as informações derivadas da evidência e experiência clínicas.
Evolução da competência do médico
Os currículos adotados em escolas médicas ocidentais, inclusive as brasileiras, são, com algumas exceções, de orientação organicista, isto é, quase exclusivamente técnica e centrada na biologia. O processo de aprendizagem e qualificação em medicina é naturalmente lento e progressivo e passa por sucessivas etapas que, didaticamente, classificamos em infância, maturidade e excelência profissionais, adaptando esquema proposto em outras situações14.
1ª Etapa - Infância profissional: percepção linear.
Esta fase simboliza os primeiros passos da formação profissional do médico. O estudante, na faculdade, abre seu coração para aprender e apreender uma quantidade imensa de informações que lhe são desconhecidas. Começa em geral carregado de conceitos leigos ou de senso comum a respeito de saúde, doença e doente, que vão sendo pouco a pouco substituídos por outros cientificamente mais fundamentados. Ao entrar no hospital-escola, ouve atentamente todos ensinamentos - mas, não tem ainda a mente preparada para avaliar criticamente o que ouve. Aos poucos, a vivência hospitalar e ambulatorial mostra-lhe as dificuldades e responsabilidades do trabalho médico e, ao final do curso, sente-se ainda, quase sempre, incompetente e inseguro, ciente de que precisa se aperfeiçoar mais para atuar com responsabilidade própria. Começa então a residência médica. Nesse período, o médico adquire mais experiência e conhecimento e, paulatinamente, sente aumentar sua confiança profissional. Interessa-se pela medicina baseada em evidências, mas ainda se deixa influenciar por representantes de indústrias farmacêuticas e por vezes receita medicamentos que lhe são repassados como "os mais modernos e eficazes" sem uma avaliação mais criteriosa, principalmente quando vêm permeados de lanches, jantares ou pequenos mimos15, 16. Obedece a certos princípios gerais, mas fica preso dentro dos limites ainda estreitos de sua percepção médica global. Pode conhecer bem as doenças, mas com freqüência negligencia o doente. Tende a impor suas técnicas ao cliente com certa inflexibilidade, mesmo que sejam custosas e dolorosas e, não raramente, propicia iatrogenias mais graves do que a doença inicial. Esta fase, certamente carregada de riscos para o paciente, constitui o passo inicial do trabalho médico e vai sendo aperfeiçoada lentamente. É uma fase de consciência apenas linear, a primeira dimensão conceptual da evolução profissional: o médico visualiza aquilo que está a sua frente. No entanto, é básica e permite que o médico evolua a partir dela. Alguns, infelizmente, estacionam aqui indefinidamente. Outros, porém, são despertados para a grandeza de sua missão e procuram expandir seus horizontes, alcançando aos poucos a fase seguinte.
2ª Etapa - Maturidade profissional: percepção humanística.
Agora o médico já tem uma história de vida dedicada à medicina; já enfrentou inúmeros desafios e já experimentou sucessos e fracassos. Aos poucos, adquire mais estabilidade emocional e consegue transmitir confiança a seus clientes e colegas. É minucioso no exame clínico e obtém com habilidade as informações mais importantes e confiáveis de seus clientes. É hábil também ao hierarquizar e analisar detalhadamente cada informação ou dado objetivo de que dispõe e ao interpretá-los de modo coerente em uma síntese resumida - mas completa - das informações obtidas. Suas orientações diagnósticas e terapêuticas são bem fundamentadas e visam não só erradicar a doença, mas, sobretudo, beneficiar o enfermo como um todo. Nesta fase, o médico não se precipita, age com refinamento, coerência e conhecimento. Sua vivência o faz cada dia mais cauteloso e procura não fazer, se não sabe o que fazer. Questiona constantemente sua competência. Utiliza recursos tecnológicos com critério, evitando diminuir as morbidades e custos ao seu cliente. Procura adaptar - e não impor - seu conhecimento e sua técnica às condições do paciente. Desenvolve e aperfeiçoa a capacidade de ouvir. Neste nível, o médico demonstra uma consciência mais ampla e abrangente, muito além do horizonte linear que caracteriza a infância profissional. Aprimora a percepção externa das coisas e, em seguida, aprofunda-se em reflexões interiores para tomar as melhores decisões em favor de seu cliente. Este estágio de trabalho, como é fácil perceber, depende de características individuais da personalidade do médico, como aceitação incondicional, empatia, congruência e coerência17 e tende a evoluir com a vivência profissional.
3ª Etapa. Excelência profissional: percepção holística.
Esta etapa corresponde à manifestação máxima do médico como ser humano e como cientista, na qual ele surge como modelo de competência, coerência e sabedoria. Neste nível, o médico desenvolve um conhecimento profundo de si mesmo e de seus clientes e favorece a integração da ciência com a consciência e desta com a natureza. Empenha-se em despertar no paciente condições que lhe possibilitem melhora ou cura dos males a partir de sua própria essência. "Certamente, esta tarefa solicita, no terapeuta, não o médico, mas o mestre, o guru..." (Durckheim apud Crema18). É poderoso em suas recomendações e convicções, por serem fruto de um saber profundo, mas é humilde no trato com o paciente. Passa a ser uma referência não por seus títulos acadêmicos, mas por sua sabedoria interior e pelo bem que proporciona. Tem competência para assumir sua própria autoria17. Seu saber ultrapassa os limites da ciência. É intuitivo, vidente da verdade e, em geral, místico. É um mestre. [Confúcio aí chegou aos 70 anos, quando "podia seguir os desígnios de seu coração" sem medo de errar]. Esta fase é reconhecida por Ubaldi19 como de 'superconsciência': "... Não se trata de somar fatos, observações e descobertas; de multiplicar as conquistas da ciência; trata-se de mudar [a nós mesmos]. Não mais o lento e imperfeito mecanismo da razão, mas intuição rápida e profunda. Não mais projeção da consciência para o exterior, por meios sensórios que apenas tocam a superfície das coisas, mas expansão em direção totalmente diversa, para o interior: percepção anímica direta, contato imediato com a essência das coisas"19. Nesse nível, a atividade e a consciência do médico vão muito além da visão linear característica da infância profissional e também da visão humanística da maturidade profissional. Abrange agora o holos, o todo universal onde o ser humano se insere. Empenha-se com amor e compaixão no sentido de propiciar alívio do sofrimento do outro. Pode visualizar dimensões mais sensíveis das pessoas que o procuram e atuar nelas com métodos refinados de comunicação interpessoal, capazes de orientar e até transformar o seu cliente. Parece evidente que tal estágio só será alcançado por alguns. Estes são possuidores de uma profunda paz interior e estão em harmonia com a natureza.
Considerações finais
Para o exercício pleno da medicina com competência não basta ao médico cursar uma escola reconhecida ou dominar técnicas e procedimentos sofisticados; não basta, ainda, ser dotado de profundo saber científico. Estas são condições necessárias, mas, isoladamente, são insuficientes para tal desempenho. A competência exige que o médico reconheça em seu cliente um ser complexo que, no momento, se encontra portador de uma doença e trate o doente com sua doença - e não apenas esta. Tal atividade exige que o médico seja profundo conhecedor do ser humano em todas suas dimensões e procure identificar nelas a causa ou o efeito do(s) problema(s) existente(s). Esta competência tende a ser aperfeiçoada pela experiência profissional, pela observância da ética profissional e por uma transformação profunda e progressiva de si mesmo no sentido de engrandecimento moral, espiritual e cognitivo. Isto é, deixa de ser atividade exclusivamente acadêmica ou científica para ser também - e principalmente - artística, amorosa, compassiva. O médico competente é essencialmente voltado para o ser humano - objeto de seu trabalho - e a ele dedica sua existência. Vale dizer, é médico vocacional: faz o que faz por amor - e usa a medicina como instrumento para servir. Distancia-se do médico exclusivamente profissional, que usa a medicina apenas como meio de subsistência ou enriquecimento - sem ter necessariamente preocupação com a competência. O ideal de todo médico deve ser atingir etapas superiores da evolução profissional, como a maturidade e, se possível, a excelência, quando então será verdadeiramente médico de homens e de almas (T. Caldwell).
Reconhecimento: sou profundamente grato a Alfredo O. Xavier, MD pela versão para inglês e pela revisão do texto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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2. Teixeira H., Dantas F. O Bom Médico. Rev Bras Educ Méd. 1997;21:39-46.
3. Enciclopédia Mirador Internacional, vol. 10,São Paulo:Enc. Britannica do Brasil Publ. Ltda.,1987. 5080p.
4. Teixeira H. Holismo e Medicina. Disponível em:
http://www.uninet.edu/cin2001/html/conf/teixeira/teixeira.html. Acesso: 20 dez.2002
5. Evidence-Based Medicine Working Group. Evidence-Based Medicine: a new approach to teaching the practice of medicine. JAMA 1992;268:2420-2425.
6. Dantas F. Lopes AC. Medicina embasada na competência. Revista Brasileira de Clínica e Terapêutica 2002;28:88-90.
7. Little P. et al. Observational study of effect of patient centeredness and positive approach on outcomes of general practice consultations. BMJ 2001;323:908-11.
8. Rose M. et al. The network of psychological variables in patients with diabetes and their importance for quality of life and metabolic control. Diabetes Care 2002;25:35-42.
9. Medical Professionalism in the New Millenium: A Physician Charter. Project of the ABIM Foundation, ACP-ASIM Foundation, and European Federation of Internal Medicine. Ann Intern Med 2002;136:243-246.
10. Mckeown T. The role of medicine: Dream, Mirage or Nemesis? Princeton, Princeton University Press, 1980.
11. Lissoni P et al. A review on cancer psycho-spiritual status interactions. Neuroendocrinol Lett 2001;22:175-80.
12. Hebert Rs et al. Patient perspectives on spirituality and the patient-physician relationship. J Gen Intern Med 2001;16:685-92.
13. Post SG et al. Physicians and patient spirituality: professional boundaries, competency and ethics. Ann Intern Med 2000;132:578-83.
14. Crema R. Saúde e Plenitude: um caminho para o ser. São Paulo: Summus Editorial, 1995.
15. McKinney WP et al. Attitudes of internal medicine faculty and residents toward professional interaction with pharmaceutical sales representatives. JAMA 1990;264:1693-7.
16. Royal College of Physicians. The Relationship between physicians and the pharmaceutical industry. Journal of the Royal College of Physicians of London. 1986;20:235-42.
17. Rogers C. On becoming a Person. Eugene T. Gendlin, University of Chicago. From: American Psychologist V.43 [Feb.1988]
18. Crema R. Introdução à Visão Holística: breve relato de viagem do velho ao novo paradigma. São Paulo: Summus editorial,1988.
19. Ubaldi, P. A Grande Síntese. 19.ed. Campos de Goytacazes: Fraternidade Francisco de Assis, 1997.
Comentario del revisor, Ramón Díaz-Alersi, MD. Medicina Intensiva. Hospital Puerto Real. Cádiz. España
(Traduçoe a Portugues)
A Ciência é um fenómeno recente na História. Com início na Grécia clássica, o seu desenvolvimento associa-se à chamada Revolução Científica do século XVII. Considera-se assim que o ponto de partida foi a execução na fogueira de Giordano Bruno no ano 1600 em Roma. Até essa data (e também depois) tem havido outros métodos diferentes do científico que tentaram explicar a realidade física, como o pensamento mágico, os dogmas religiosos ou as diferentes opiniões publicas. O campo do conhecimento científico está incluído na realidade lógica e desde o inicio, quase todas as áreas do conhecimento humano têm tentado basear-se nele. Os conhecimentos adquiridos através do método científico têm como característica principal a reprodutibilidade. Sem chegar à demonstração matemática, a única que obtem as verdades absolutas, as teorias científicas apoiam verdades que apenas são aceites quando as provas que as apoiam são esmagadoras, e ainda que uma só prova em contra possa deitar por terra a teoria até ao ponto de obrigar abandona-la enquanto se sustem proporcionam um método pelo qual qualquer um com os médios e a preparação suficientes pode reproduzir os resultados.
São evidentes as vantagens da aquisição do conhecimento por este método e por isso, todas as disciplinas têm tentado adoptá-lo. A medicina também o fez, embora tenha atingido o status de ciência muito mais tardiamente em comparação com outras disciplinas do conhecimento.
Não entanto a medicina não é apenas um ramo do conhecimento, já que trata com seres humanos sendo o seu alvo a saúde e o bem-estar. Tentar reduzi-la a um ramo da ciência, tem dado lugar a erros tais como a consideração do corpo como um objecto mecânico composto de partes mais simples e com um tratamento independente. O médico contemporâneo, pressionado pela necessidade de adquirir conhecimentos válidos pode cair na tentação de esquecer outros aspectos fundamentais da profissão e não tratar o doente como um ser humano, a quem a doença pode influenciar de diversas formas, nem sempre abordáveis com os conhecimentos que a ciência proporciona.
(Original en Español)
La Ciencia es un fenómeno reciente en la Historia. Aunque se da por sentado que surgió en la Grecia clásica, su desarrollo está vinculado con la llamada Revolución Científica del siglo XVII. Se suele considerar como su punto de partida la ejecución en la hoguera de Giordano Bruno en 1600 en Roma. Hasta entonces (y también después) ha habido otros métodos distintos del científico para explicar la realidad física, como el pensamiento mágico, los dogmas religiosos o las diferentes formas que moldean las opiniones públicas. El campo del conocimiento científico está incluido dentro de la realidad lógica y desde su surgimiento, casi todas las áreas de conocimiento humano han intentado fundamentarse en él.
Los conocimientos adquiridos mediante el método científico tienen como característica principal su reproductividad. Sin llegar a la demostración matemática, la única que conduce a verdades absolutas, las teorías científicas sostienen verdades que sólo son aceptadas mayoritariamente cuando las pruebas que la apoyan son abrumadoras y, aunque una sola prueba en contra puede socavarla hasta el punto de obligar a abandonarla, mientras se sostienen, proporcionan un método mediante el cual cualquiera con la suficiente preparación y medios puede reproducir los hallazgos de otros.
Es evidente la ventaja de la adquisición de conocimiento por este método y por ello, todas las disciplinas han intentado adoptarlo. La Medicina también lo ha hecho, aunque ha llegado al status de ciencia mucho más tarde que otras ramas del saber. Sin embargo, la medicina no es solo una rama del saber, trata con seres humanos y su objetivo es su salud y su bienestar. Intentar reducirla a una rama de la Ciencia ha dado lugar a errores como la consideración del cuerpo humano como un objeto mecánico compuesto de partes más simples cuyo tratamiento puede ser independiente. El médico de nuestro tiempo, abrumado por la necesidad de adquirir conocimientos válidos puede caer en la tentación de olvidar otros aspectos fundamentales de su profesión y no tratar a su paciente como un ser humano, en el cual la enfermedad influye de muchas maneras, no todas abordables con los conocimientos que la Ciencia proporciona. Este excelente artículo llama la atención sobre este problema y proporciona algunas respuestas para solucionarlo.
Comentario del revisor, Prof. José María Eirós Bouza MD. PhD. Titular de Microbiología. Facultad de Medicina. Universidad de Valladolid. España
(Traduçoe a Portugues)
Este trabalho situa-se na área da reflexão conceptual acerca da Competência profissional na Medicina. O autor faz uma exposição estruturada na qual revê aspectos relativos aos princípios fundamentais nos quais se baseiam a actividade profissional e os seus limites. Este trabalho mostra experiências pessoais e conclui relatando o que denomina as três fases da evolução profissional. A oportunidade que o Prof. Teixeira nos oferece é um desafio para aqueles que exercem a medicina desde âmbitos distantes dentro da especialização, dado que representa uma chamada integradora para a essência da profissão. A sua leitura e análise podem abrir sem dúvida, novos horizontes de desenvolvimento pessoal desde âmbitos muito diferentes. O comentário acrescido dos nossos leitores pode animar-nos a receber e publicar artigos como este, cuja difusão não deve ser esquecida.
(Original en Español)
La presente contribución se sitúa en el ámbito de la reflexión conceptual sobre la "Competencia" profesional en Medicina. El autor establece una exposición estructurada en la que revisa aspectos relativos a los principios fundamentales en los que asienta hasta los compromisos que delimitan la actividad profesional. En su desarrollo establece aportaciones personales y concluye narrando lo que él denomina tres fases de la evolución profesional.
La oportunidad que nos ofrece el Prof Teixiera supone un reto para cuantos ejercemos la medicina desde ámbitos muy distantes en cuanto a la especialización, en el sentido de que representa una llamada integradora a la propia esencia de la profesión. Su lectura y análisis puede abrir,sin duda, nuevos horizontes de desarrollo personal desde ámbitos muy plurales. El comentario adicional de nuestros lectores puede animarnos a recibir y publicar artículos como el presente, cuya difusión no debe ser descuidada.
Comentario del revisor Jesús Garrido MD. Unidade de Nefrologia e Diálise. Hospital São Teotónio de Viseu. Viseu. Portugal
(Original en Portugues)
"A doença é muito velha e nada acerca dela tem mudado. Somos nós os que mudamos, conforme aprendemos a reconhecer o que antes era imperceptível" Jean Martin Charcot (1825-1893).
Apesar do percurso evolutivo da Medicina desde a antiguidade tem sido nas últimas décadas quando tem caminhado com passos de gigante. As descobertas nas diferentes áreas relacionadas com a medicina (biologia, farmacologia, física, química…) e um conhecimento mais aperfeiçoado da fisiopatologia humana tem permitido grandes avanços nesta área e também tem contribuído para alguma mudança na forma de entender esta arte. Assim, a medicina actual ou tecnológica tem certa tendência para o esquecimento da clássica, a "Hipocrática" que deveria manter-se como pilar básico do conhecimento e sobre o qual deveria ser desenvolvido o conhecimento científico. Conciliar estas duas partes da medicina é a única via possível para manter esta profissão como a arte mais nobre. A competência em Medicina, como o Prof. Teixeira bem descreve neste trabalho é um processo de maturidade profissional e também pessoal, e deveríamos questionarmo-nos sobre isso no dia a dia no nosso trabalho. Apostar na correcta formação humanista e científica, na relação médico-doente, na experiência e na ética permitirá desenvolver esta competência.
"Aquilo que se deve pôr primeiro na prática da nossa arte é lograr que o doente melhore; se com muitas maneiras não consegue melhorar, devemos escolher o menos problemático" Hipócrates. Isto, que de forma geral é o resumo da nossa actividade não é muitas vezes bem percebido pela sociedade que exige a infalibilidade da Medicina. Derivada dessa exigência, surge um problema actual que colide com a competência, a medicina defensiva e que por sua vez alimenta uma medicina cada vez mais tecnológica. A medicina como ciência variável vê-se resumida nesta frase: "A variabilidade é a lei da vida e não há duas faces iguais, também não há dois organismos iguais, nem duas pessoas reagem igual, nem se comportam por igual nas mesmas condições anormais que nos conhecemos como doenças" Sir William Osler (1849-1919).
O trabalho do Prof. Hélio Teixeira aporta experiência pessoal e resume magnificamente os princípios básicos da medicina e a evolução que se espera de nós durante o exercício da profissão, em tempos difíceis para a arte.
(Original en Español)
"La enfermedad es muy vieja y nada acerca de ella ha cambiado. Somos nosotros los que cambiamos, conforme aprendemos a reconocer lo que antes era imperceptible" Jean Martin Charcot (1825-1893).
A pesar de la evolución de la Medicina desde la antigüedad, ha sido en las últimas décadas cuando ha caminado a paso de gigante. Los descubrimientos en las diferentes áreas relacionadas com la medicina (biología, farmacología, física, química…) y un mejor conocimiento de la fisiopatologia humana han permitido grandes avances en este área y han contribuido también para algún cambio en la forma de entender este arte. Así, la medicina actual o tecnológica tiene cierta tendencia para el olvido de la clásica, la "Hipocrática" que deberia mantenerse como el pilar básico del conocimiento y sobre el cual deberia ser desarrollado el conocimiento científico. Conciliar estas dos partes de la medicina es la única via posíble para mantener esta profesión como el arte mas noble. La competencia en Medicina, como el Prof. Teixeira bien describe en este trabajo es um proceso de maduración profesional así como personal y deberiamos cuestionarnos sobre eso en el dia a dia de nuestro trabajo. Apostar en la correcta formación humanista y científica, en la relación médico-paciente, en la experiencia y en la ética permitirá desarrollar esta competencia.
"Lo que se debe poner primero en la práctica de nuestro arte es lograr que el paciente mejore; si com muchas maneras no puede mejorar, uno debe escoger lo menos problemático" Hipócrates. Esto, que de forma general es el resumen de nuestro trabajo no siempre es bien entendido por la sociedad, que exige una Medicina infalible. Derivada de esa exigencia, surge un problema actual que choca com a competencia, la medicina defensiva y que a su vez alimenta una medicina cada vez mas tecnológica. La medicina como ciencia variable se ve resumida en esta frase: "La variabilidad es la ley de la vida y no hay dos caras iguales, tampoco hay dos organismos iguales, ni dos personas reaccionan igual, ni se comportan igual en las mismas condiciones anormales que conocemos como enfermedad" Sir Willian Osler (1849-1919).
Este trabajo aporta experiencia personal y resume magnificamente los principios básicos de la medicina y la evolución que se espera de nosotros durante el ejercicio de la profesión, en tiempos difíciles para el arte.
Received January 17, 2005.
Published January 27, 2005